terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Cuba: apesar do bloqueio, a ilha resiste firme!


EUA impõem um embargo econômico criminoso à ilha desde 1962 (Charge: Latuff )

*Por Artur Pires 

Na última semana, a presidenta brasileira Dilma Rousseff esteve em visita a Cuba numa agenda política que focou a ampliação da cooperação bilateral entre os dois países. Na passagem curta de cerca de 48 horas pela ilha caribenha, Dilma evitou tocar no assunto direitos humanos e, quando foi incitada a falar sobre o tema, saiu-se com “quem atira a primeira pedra tem telhado de vidro”, ao explicar que a questão dos direitos humanos não poder ser usada como “arma ideológica”.

A imprensa venal brasileira açodou-se a atirar várias pedras na presidenta (não me contive com o trocadilho), no seu afã tresloucado de demonizar tudo o que vem da ilha. Queria porque queria a mídia golpista que a presidenta fosse até Cuba e criticasse o regime cubano pela sua suposta falta de respeito aos direitos humanos. Peço licença para voltar já a este ponto da discussão, mas antes abro aqui um parêntese para deixar claro minha opinião contrária à decisão do governo cubano em negar o pedido de viagem ao Brasil da blogueira cubana Yoani Sánchez. Se Sánchez ou qualquer outro dissidente quer vir ao Brasil ou ao raio-que-os-parta, que os deixem ir! Não serão dissidentes, que fazem parte de uma pequeníssima minoria, que irão manchar a imagem da ilha. A grande maioria da sua população apóia e está satisfeita com o regime. Essa deveria ser a atitude dos Castro. Fecha parêntese.

Reino da hipocrisia

Retornando ao ponto em que parei, em relação à ânsia da mídia em demonizar o regime cubano, principalmente abordando a temática dos direitos humanos, observa-se a hipocrisia reinante dessa mesma mídia quando, por conveniência ou pura “babação”, faz escancarada vista grossa e não move uma palha sequer para criticar a política imperialista estadunidense, que se move marcadamente pelo desrespeito aos direitos humanos dos povos do mundo, desde a invasão de países com a desculpa esfarrapada de encontrar armas químicas (vide o exemplo do Iraque), quando depois se descobriu que a grande sede dos EUA não era derrubar Saddam Hussein, mas sim apossar-se das volumosas jazidas de petróleo iraquianas; passando pela prática rotineira de tortura nas bases militares- invadidas, diga-se de passagem - de Guantánamo, em Cuba, e Abu Ghraib, no Iraque; pelas práticas criminosas dos agentes da CIA, que investigam e matam à revelia pessoas ao redor do mundo que cruzam seu caminho (vide o  recente caso do “misterioso” assassinato de um cientista nuclear iraniano, morto por uma bomba instalada no seu carro); chegando ao absurdo de se fazer de rogada ao não condenar o nefasto bloqueio econômico que os Estados Unidos impõem desde 1962 a Cuba.

Trazendo a discussão para estas terras tropicais, muitos dos “jornalões” dessa mesma imprensa golpista, que hoje posam de arautos da democracia e dos direitos humanos, foram cúmplices e serviram (caso da Folha de S.Paulo, que emprestava seus carros de reportagem aos agentes torturadores do DOI-CODI) a ditadura brasileira.  A mesma Folha, há uns dois anos atrás, teve a audácia e o descaramento de sair com um editorial que dizia que a nossa ditadura nem tinha sido tão “pesada”. Sendo assim, a ditadura brasileira, em comparação com a argentina ou chilena, poderia ser considerada uma “ditabranda”. Absurdo, não é? Para essa mídia, não!

Trocando em miúdos, é muita cara de pau mesmo de uma mídia que acoberta todos os fatos supracitados – e muitas outras questões que no momento me fogem à memória – querer posar de guardiã da ética e da moral ao falar de direitos humanos.

Embargo criminoso

Voltando à questão cubana, as conquistas sociais do povo cubano, embora muitas, poderiam ser bem maiores se a economia do país não fosse amarrada, como dito antes, por um nefasto bloqueio econômico que os EUA impõem desde 1962, assinado por seu então presidente John Kennedy. Estimativas de analistas internacionais e cálculos do governo cubano revelam que desde sua imposição, o embargo comercial ianque, que hoje, 7 de fevereiro de 2012, completa 50 anos, já causou prejuízos da ordem de mais de 105 bilhões de dólares à ilha. Em função do bloqueio, Cuba não pode exportar nenhum produto para o mercado norte-americano nem receber turistas vindos dos EUA. Além disso, não tem acesso a créditos e nem pode utilizar o dólar em suas transações com o exterior. Os navios e aviões cubanos estão proibidos de tocar portos e aeroportos dos EUA. Ademais, há sérias restrições dos ianques a exportações de produtos e inovações médicas para Cuba, além da proibição de vender à ilha produtos e equipamentos de tecnologia avançada.

A Organização das Nações Unidas (ONU), através de resoluções votadas por seus membros desde 1992, vem pedindo o fim do terrível bloqueio econômico americano a Cuba. No último ano, 2011, o 20º pedido para a cessão do embargo contou com 186 votos a favor contra apenas dois contra (Estados Unidos e Israel) e três abstenções (Ilhas Marshall, Micronésia e Palau). Frise-se que o embargo financeiro realizado pelos EUA viola regras do direito internacional, que o considera genocídio.

Saúde

Saúde em Cuba é prioridade máxima (Foto: autor desconhecido)

Contudo, em que pese todos os prognósticos capitalistas que cantam a fortes brados a morte de Cuba, a ilha resiste e se mantém firme no seu propósito inicial de assegurar e socializar os três direitos básicos para qualquer cidadão: saúde, educação e habitação. Na área da saúde, a ilha é referência mundial em excelência médica. Seu índice de mortalidade infantil, de 5,1 mortes para cada mil nascidos, se assemelha aos padrões nórdicos. Em toda a América, apenas o Canadá rivaliza com o padrão cubano. A efeito de comparação, o índice brasileiro é quatro vezes maior: 21,17 por mil.

A ilha adotou a estratégia do programa “Saúde da Família”, no qual o profissional de medicina acompanha uma família em específico e mensalmente diagnostica e cuida da saúde de todos. Para uma população de um pouco mais de 11 milhões de habitantes, Cuba conta com cerca de 68.000 médicos – dos quais um pouco mais de 31.000 são médicos da família. A eficiência do sistema de saúde cubano é tamanha que muitos pacientes de outras partes do mundo recorrem à ilha para tratar-se de diversas enfermidades. 

O mais relevante é que esse excelente sistema é gratuito e acessível a todos os cubanos, sem exceção. A revolução na área de saúde se reflete na expectativa de vida da população: antes da Revolução, os cubanos nasciam com a esperança de viver, em média, menos de 60 anos; hoje possuem uma expectativa de vida de 79 anos. Na América Latina, Cuba, nesse aspecto, só se encontra atrás da Costa Rica e de Porto Rico. Mais uma vez, para efeito de comparação, a expectativa de vida do brasileiro, mesmo avançando bastante nos últimos anos, é ainda de 73,5 anos, quase seis anos abaixo da média cubana.

Educação

Cuba é, proporcionalmente em relação ao PIB, o país que mais investe no mundo em educação (Foto: Adalberto Roque/AFP)

O sistema educacional cubano é outro motivo de orgulho para Fidel e seus conterrâneos. Segundo relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), publicado em 2011, 99,8% dos cubanos com mais de 15 anos sabem ler e escrever. O país praticamente não sabe o que é analfabetismo, algo que no Brasil alcança 9,6% da população (IBGE 2010). Além disso, Cuba é a nação com melhor nível de educação primária da América Latina, segundo mesmo relatório do PNUD. Talvez o fato de ser primeiro lugar mundial em professor per capita e ocupar a mesma posição na relação número de professor por aluno explique o sucesso da educação na ilha. O maior gasto proporcional ao PIB no mundo com educação (9%) é de Cuba. Analistas internacionais reconhecem que Cuba tem um dos mais justos e completos sistemas educacionais do mundo. Mais uma vez, é imperativo ressaltar que toda essa excelência educacional é gratuita e plenamente acessível a toda a população, sem exceções.

Moradia e outras conquistas sociais

Os atletas cubanos, apoiados fortemente pelo governo, se destacam a nível mundial (Foto: Reuters)

Em relação ao sistema habitacional encontrado quando Fidel defenestrou Fulgêncio Batista do poder para dar início à Revolução, houve significativos avanços, embora ainda haja muito a se fazer. A situação das moradias do povo cubano era calamitosa. Os barracos e casebres foram derrubados e a ilha vivenciou a Lei da Reforma Urbana, que iniciou o plano de construção de milhões (isso mesmo: milhões!) de casas para as massas populares. Nas últimas quatro décadas, foram construídas mais de 2 milhões e 500 mil casas. Exceção no mundo, na ilha caribenha, 9 de cada 10 famílias são donas das casas onde moram. Isto é motivo de tamanho orgulho para o governo cubano que, no aeroporto de Havana, um grande painel recebe os visitantes com uma verdade indiscutível: “Esta noite, milhões de crianças dormirão nas ruas do mundo. Nenhuma delas é cubana".

Vale ressaltar, ainda, que a rede de água atinge 95,6% das casas e a eletricidade chega a 95,5% dos lares cubanos (PNUD 2009). Destaque também para o fato de que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) cubano - 0, 776 numa escala que vai de 0 a 1 - mostra que a ilha está acima da média dos países latino-americanos. Não poderia deixar de comentar igualmente o apoio incondicional que o governo cubano deposita nos seus jovens em relação às atividades de lazer a ao esporte. Mesmo sendo um pequeno país com pouco mais de 11 milhões de habitantes, Cuba se consolidou como potência olímpica, com atletas em destaque mundial em diversas modalidades, como boxe, vôlei e atletismo, por exemplo.

Claro que nem tudo é perfeito na ilha, como em canto nenhum do mundo. O país escorrega, no meu modo de ver, em algumas questões de liberdade individual, como no caso da blogueira e de outros dissidentes, citados no começo do texto. Também passa atualmente por uma política de racionamento de alimentos – muito por conta do criminoso bloqueio econômico imposto pelos EUA. Entretanto, todas as famílias cubanas tomam café-da-manhã, almoçam e jantam todos os dias, sem exceção. Não há mendigos nem pessoas morrendo de fome na ilha caribenha. Não há fartura, mas também não há miséria. A igualdade, sem luxo, é para todos!

Como se percebe, o socialismo cubano, com ressalvas em relação a algumas liberdades políticas, mostra que vale a pena lutar e buscar alternativas diferentes do modelo neoliberal-capitalista que atualmente predomina na maioria das nações do globo. É até bastante lógico afirmarmos, com segurança, que o modelo neoliberal de consumo, acúmulo de capitais e arrecadação de lucro jamais conseguirá dar, como fruto, uma sociedade justa, igualitária e com padrão de vida eqüitativo para todos. É da natureza do capitalismo provocar a miséria de muitos em detrimentos da riqueza de poucos. O modelo de Cuba está aí para nos provar que é possível, sim, remar contra a corrente!

*Artur Pires acredita que um outro sistema, alternativo ao capitalismo, é possível e, mais do que isso, necessário