sexta-feira, 21 de setembro de 2012

**Contos da Cidade: A periferia que se foi...


(Ilustração: Revista Siará)

*Artur Pires

É fato inconteste que Fortaleza viveu um acelerado crescimento demográfico, comercial e, principalmente, imobiliário na última década e meia. Bairros outrora periféricos passaram a fazer parte, também, em maior ou menor grau, do ampliado corredor de serviços e de especulação imobiliária da capital alencarina. A Cidade dos Funcionários, onde moro, é um exemplo concreto e hiperbólico dessa expansão desenfreada e mal planejada.

Quando cheguei em Fortaleza, em 1994, aos 9 anos, vindo de Limoeiro, mas já tendo morado também em Redenção e Assaré, no interior do estado, lembro que assustei-me com a grandeza da cidade à época. Na minha visão de menino interiorano, a capital era um monstro enorme, pronto para me engolir, caso me perdesse em sua imensidão. Tudo era exagerado, principalmente as distâncias. Estranhava demais ter de ir de carro para a escola e para o clube onde jogava futebol. Pior: não podia ir à praça próxima de casa andar de bicicleta, brincar de bila, pião ou empinar pipa, pois “Fortaleza não é como Assaré, Redenção ou Limoeiro”, diziam meus pais. Logo eu, já acostumado a fazer esses percursos a pé, pelas calçadas ou no “mêi da rua”. Aliás, andar de carro, na minha vivência interiorana, era algo pontual: só quando ia à AABB fazer natação ou acompanhar, com minha irmã, meus pais nas festas dos bancários ou, ainda, quando ia visitar a parentada querida em Barbalha, no Crato ou mesmo em Fortaleza.

Contudo, após o estranhamento inicial, aos poucos fui me acostumando não com Fortaleza, mas com a Cidade dos Funcionários. O bairro, com ares periféricos à época, ainda preservava o aspecto bucólico do interior que tanto me atraía, com ruazinhas estreitas de piçarra ou, quando muito, calçamento; vizinhos a conversar nas calçadas; e crianças jogando bola e brincando de carimba no meio da rua. Ademais, mantinha vivas na minha percepção de mundo as figuras do bodegueiro, seu Jacó, com sua carranca habitual; do leiteiro, seu Luís, a desfilar contente na sua carroça carregando gordurosos litros de leite de vaca; da verdureira, dona Otilha, com suas deliciosas beterrabas; do entregador de pão, seu Cosme, que diariamente deixava o carioquinha fresquinho na porta de casa; e do seu Nilo, da mercearia, que vendia à minha mãe a melhor galinha de capoeira da região.

No entanto, com o passar do tempo e o crescimento vertiginoso e desordenado de Fortaleza, a Cidade dos Funcionários foi sendo consumida pelo “progresso” predatório e deixando de lado, gradativamente, seus antigos costumes e personagens. As grandes cadeias de supermercados substituíram os pequenos comerciantes. O asfalto nas ruas tirou os vizinhos das calçadas para dar lugar aos automóveis e suas barulhentas buzinas. As brincadeiras das crianças, como o esconde-esconde e o pega-ladrão, foram trocadas pelas salas de bate-papo virtuais. O lago Jacareí, que antes servia para pescar e tomar banho, agora é só para olhar, tamanha a poluição.

Fortaleza continua a crescer. A Cidade dos Funcionários também. Não sei até quando. Só sei que, vivendo ainda no mesmo bairro, sinto saudade da periferia que um dia me acolheu. 

*Artur Pires é morador e amante da Cidade dos Funcionários
** Texto originalmente publicado na Revista Siará (edição nº 37, pag. 34, seção "Olhar sobre a Cidade")

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Há algo de podre no sistema político brasileiro


Enquanto o financiamento público não for adotado como única alternativa para doações de campanhas, a situação retratada acima vai teimar em existir não só no mundo dos quadrinhos (Charge: Ricardo Coimbra)

Por Artur Pires

Parafraseando Hamlet, famoso personagem shakespeariano, diria que há algo de podre na política brasileira. E como fede! Os homens de Brasília evitam pôr o dedo na podridão com medo do odor altamente desagradável subir às narinas nacionais, pois, sabido que é, até os desprovidos dos recursos olfativos seriam contaminados pela verdade fétida: a estrutura que sustenta o sistema político brasileiro é uma merda!

O nariz de cera acima é tão somente para contextualizar uma necessidade urgente no Brasil: a reforma política. Sim, uma reforma que extirpe definitivamente as anomalias existentes na política brasileira – que são muitas! Nem FHC tampouco Lula tiveram coragem para fazê-la. Dilma já caminha para o fim do seu segundo ano à frente do Palácio do Planalto e o assunto nem sequer foi posto em pauta pela presidenta.

Em suma, o sistema político-partidário brasileiro hoje caminha numa direção perigosa e sem volta, caso nada seja feito no sentido de impedir o avanço desse modelo. Os cargos políticos, que deveriam ser representativos do e para o povo, tornam-se cada vez mais meios de ganhar dinheiro fácil e perpetuar-se no poder, elegendo cônjuges, filhos, primos, tios, o periquito e o papagaio. Política, infelizmente, virou sinônimo de negócio para a maioria dos políticos e de corrupção para a maioria dos eleitores.

Aqueles que detêm a máquina de governo em suas mãos, seja municipal, estadual ou federal, fazem de tudo para manterem seus reinados, lançando mão, muitas vezes, de métodos escusos para tal fim. Mas por quê? Ora, porque o poder embriaga, já dizia Maquiavel no século XVI. Os fins justificam os meios? Penso que não. Na verdade, os meios que utilizamos para alcançar o fim é que dizem o que somos. Enfim, deixando a filosofia de botequim de lado, o fato é que em períodos eleitorais – e muitas vezes fora deles também - quem está no comando esquece-se de governar e usa de todas as vantagens que o poder propicia para se reeleger ou, quando não é mais possível a reeleição, eleger alguém de sua confiança e, assim, continuar mamando nas tetas da administração pública, feito bezerro esfomeado.

(Charge: Roko)

A questão central é que o sistema político, da forma como está posto hoje, privilegia o dinheiro em detrimento da real política, ou seja, de nada adianta ter idéias e propostas inovadoras, inteligentes, coletivas, agregadoras, pois, no frigir dos ovos, o que vale mesmo é a bufunfa; quem tem mais grana, leva. Infelizmente, é assim que é! Campanhas milionárias quase sempre se saem vitoriosas. Só que não era para ser dessa forma. A política não é isso, não pode ser reduzida a esta ótica do “quanto mais dinheiro, mais chances de ganhar”.  Política se faz com sonhos e ideais, não com interesses obscuros e Reai$.

Dentro desse contexto, uma aberração do nosso sistema político é o financiamento privado das campanhas. Empresas fazem doações generosas de milhões de reais a candidatos que, obscuramente, escondem a identidade dos doadores. Em troca de quê? Ora, ora, de vantagens e facilidades em licitações e contratos público-privados em um futuro próximo, caso seus candidatos sejam eleitos. É a velha máxima: uma mão lava a outra. Trocando em miúdos, empresas capitalistas não fazem doação, realizam investimento. Alguém duvida?

Nesse sentido, de todas as mudanças necessárias que deveriam vir no bojo de uma reforma política consistente e transformadora, o fim do financiamento privado das campanhas tem de ser prioridade. Este modelo de financiamento explica, em boa parte, a relação promíscua entre políticos e empresários corruptores que, consequentemente, resulta na onda de corrupção que assola as esferas dos poderes legislativo, judiciário e executivo brasileiros. 

No entanto, a arrecadação privada para campanhas conta com um lobby poderoso em Brasília, pronto para defendê-la a qualquer momento, pois estes lobistas sabem que a implantação do financiamento público e equânime a todos como única forma de arrecadação de campanhas políticas esvaziaria grande parte do poder econômico e de influência dessas empresas doadoras e, principalmente, aumentaria consideravelmente as chances de vitória de candidatos não alinhados ao status quo.  

Hamlet, se saísse da sua Dinamarca e viesse passear por estas bandas, diria que há algo de podre na estrutura política brasileira. Pois é. Recomenda-se tapar o nariz para evitar o pior.