domingo, 24 de junho de 2012

Paraguai: o fantasma do golpe volta a assombrar

Artur Pires

De antemão, é importantíssimo à discussão sobre o golpe de Estado no Paraguai trazer à tona o histórico quadro político-partidário do nosso vizinho sulamericano. Antes de Fernando Lugo assumir a presidência, em 2008, havia 60 anos que o conservador Partido Colorado se mantinha no cargo máximo do Executivo paraguaio, contando com os anos de ditadura militar (1954-89). A vitória de Lugo, um ex-bispo católico muito ligado aos movimentos sociais e de base, só foi possível porque uma grande coalizão de partidos oposicionistas foi formada para desbancar as seis décadas de predomínio dos colorados.

Contudo, pouco tempo após a vitória de Lugo, que obteve democraticamente 41% dos votos, a coalizão vitoriosa que o havia levado à presidência foi se enfraquecendo devido às disputas partidárias e às diferenças ideológicas. Como resultado do desmantelamento do bloco oposicionista, os partidários do presidente na Câmara e no Senado viram-se em apuros, isolados. O Partido Colorado começou a se mexer na busca por aliados na oposição. O resultado: ampla maioria em oposição a Lugo nas duas casas legislativas. A grande verdade é que o Partido Colorado nunca digeriu a derrota na eleição presidencial e esperava, de modo sorrateiro, a hora certa para dar, literalmente, o golpe fatal.  

Por ocasião de mortes em um conflito agrário entre policiais e sem-terras – contenda esta que já se arrasta há décadas naquele país e não havia sido solucionada durante os 60 anos de governo colorado -, a reacionária Câmara paraguaia votou, na quinta-feira, 21 de junho, pelo início do processo de impeachment do presidente, sob a desculpa esfarrapada de que Lugo não havia desempenhado a contento suas funções, sendo “negligente e irresponsável” no caso.

Ora, as disputas por terras no interior do Paraguai são seculares, históricas, não de agora. A bem da verdade, o presidente tinha conseguido avançar nessa seara, ainda que não o suficiente para evitar os comuns conflitos no campo, mas à oposição golpista não interessava os avanços alcançados. A ela, só cabia a sede irrefreável de ter o poder em suas mãos de volta. E o grande mote para tal era culpar Lugo pelas mortes da última semana na batalha campal. Em uma sessão relâmpago, a Câmara deliberou pelo impedimento político do presidente, com 73 votos a favor e somente um contra.

Na mesma quinta-feira (21), o Senado paraguaio, também amplamente controlado pelos conservadores colorados, apressou-se a marcar a data do “julgamento” de Lugo. E quando seria? No outro dia. Isso mesmo! O presidente não teve nem 24 horas para preparar sua defesa. O cavalo selado estava passando e os senadores não queriam perder a oportunidade de montá-lo. A hora para recuperar o poder estava pra lá de propícia. Em uma votação de cartas marcadas, o Senado votou pelo impeachment do presidente, com 39 votos a favor e quatro contra. O fantasma do golpe na América Latina voltava a assombrar.

Agora, para o bem da democracia e do povo paraguaio, o país da língua guarani precisa sofrer duras sanções dos órgãos e blocos sulamericanos (Unasul e Mercosul) e mundiais (ONU, União Européia). Não reconhecer como legítimo o novo governo, como já fizeram de imediato Equador, Bolívia e Venezuela, é a primeira medida. É obrigação da presidenta Dilma, enquanto uma das líderes do continente, se manifestar publicamente sobre o assunto, em defesa do presidente Lugo. O golpe de Estado, seja ele escancaradamente militar ou, de maneira maquiavélica, travestido de jurídica e parlamentarmente legal – ambos irmãos siameses, uma vez que completamente antidemocráticos -, precisa ser duramente repelido, rejeitado.

O golpe no Paraguai, finalizado em menos de 48 horas, nos mostra que precisamos estar atentos à nossa democracia. Poderia ser no Brasil? Da forma como se deu, sem o menor tempo hábil para defesa do presidente, penso que ainda não. No entanto, temos, assim como nossos vizinhos paraguaios, uma direita reacionária e ávida para voltar ao trono, bem como uma mídia fascista e elitista, que se arvora guardiã da liberdade democrática, mas não perde tempo em apoiar golpes contra forças de esquerda. É preciso muito óleo de peroba para dar conta desses “caras-de-pau”.

O colunista de Veja, Reinaldo Azevedo, símbolo-mor do reacionarismo tupiniquim, do alto de seu desprezo com os trabalhadores do campo, se posicionou a favor do golpe, vociferando que “é tão evidente a vinculação de Fernando Lugo com os ditos sem-terra, que os dias a mais para a defesa não fariam diferença no mérito”. Pois é, por mais que estejamos consolidando nossa democracia eleição após eleição, ainda não estamos completamente a salvos de reviver a escuridão de um golpe de Estado. Com a direita e o Partido da Imprensa Golpista (PIG) que temos... Ui, é melhor nem pensar. Sai pra lá, assombração!

Todo o apoio ao presidente Lugo e ao povo paraguaio, que o elegeu democraticamente! Força e Luta, sempre!

terça-feira, 5 de junho de 2012

Dia Mundial do Meio Ambiente: há o que comemorar?

Artur Pires

Hoje, 5 de junho, comemora-se o Dia Mundial do Meio Ambiente. Mais do que celebrar, a data nos requer reflexão sobre que tipo de relação devemos ter com o ambiente natural que nos cerca. Que tipo de desenvolvimento queremos? Aquele baseado no “progresso” capitalista, que desconsidera as questões ambientais em favor do economicismo? Ou aquele que, sub-repticiamente, se apropria do discurso ambiental, para ser politicamente correto, mas, na prática, age no caminho inverso? Nenhum desses modelos de desenvolvimento serve para a saúde do planeta.

Ao se deparar com os espinhosos desafios impostos diante dos muitos problemas ambientais, é necessário um olhar mais abrangente e holístico sobre suas causas. Trocando em miúdos, o buraco é mais embaixo, uma vez que a raiz dos problemas ambientais está no modo de produção econômico que vivenciamos. O capitalismo, além da exploração da força de trabalho do homem pelo homem, é responsável também pela exploração desenfreada dos recursos naturais, já que o modo de produção baseado no dinheiro se apropria desses recursos para vendê-los como mercadoria, afinal, no capitalismo, tudo está submetido ao deus mercado.

Dessa forma, o ser humano cada vez mais interfere na dinâmica do meio ambiente, modificando seu curso natural e perfeito, ocasionando, em consequência dessa intervenção negativa, a resposta furiosa da natureza: catástrofes ambientais com mais frequência, como tsunamis, invernos rigorosos, inundações, secas severas, furacões, derretimento de geleiras, aquecimento global...

O fato é que a relação do homem com o meio ambiente está completamente equivocada. Se nada for feito para remar contra a corrente exploratória do agronegócio, do lobby ruralista e do “progresso” capitalista, deixaremos como legado às futuras gerações, nossos filhos, netos, bisnetos etc., um mundo artificial de concreto (literalmente!) e flores de plástico. Água potável? Ah, aí será artigo de luxo!

Precisamos compreender que somos parte integrante de um todo. Ao se arvorar dono do mundo, da natureza e interferir no seu equilíbrio harmonioso, o “homo capitalismus” desequilibra essa rede sistêmica em perfeição que é o meio ambiente, do qual todos nós fazemos parte: homens, bichos, plantas, minerais, oceanos, mares, vidas microscópicas etc.

A natureza hoje cobra a dívida de séculos de exploração predatória. E não nos enganemos. Teremos de pagar a conta! Para isso, será preciso uma mudança de mentalidade, de pensamento; é preciso que surja uma “nova narrativa”, como diz Leonardo Boff, e um “novo homem”, como queria Che. Narrativa e homem estes baseados em uma renovada maneira de relacionar-se com a natureza. Uma mentalidade na qual o homem sinta-se, verdadeiramente, parte integrante desse meio natural, e não mais seu proprietário.

Será preciso também abandonar a arrogância que nos faz achar que podemos “domar” a natureza e seus fenômenos. Nesse novo pensamento, será imprescindível entendermos que não somos os únicos habitantes do planeta (pois é, muitas vezes esquecemos desse “detalhe”), mas que há uma infinidade de espécies não humanas que também sentem diretamente os efeitos  das intervenções negativas no meio natural.  Por fim, será fundamental nesse processo de mudanças a adoção de um novo modelo econômico, que respeite e não explore o homem tampouco o meio ambiente; além disso, que estimule e oportunize a relação harmônica entre ser humano, modo de produção e natureza. Pensemos nisso!

Rio+20 e o acordo de compadres

A Rio+20 vem aí. Seria a oportunidade ideal para iniciar esse debate com vistas a mudanças profundas na relação homem/natureza. Seria! Quero queimar a língua e estar completamente enganado, mas penso que será mais uma conferência recheada de chefes de estados e burocratas de plantão, cada um pensando em seu próprio umbigo, ops, país, sem se ater ao planeta como um todo. No fim, para compor o documento final do evento, será costurado um acordo de cavalheiros, que contemplará satisfatoriamente todos os países, dos Estados Unidos (o maior poluidor) à Costa Rica (o país mais “verde”). Quer apostar?