O Brasil passa por uma
transformação muito rápida nos últimos 10 anos, no que diz respeito às formas e
ferramentas para se fazer comunicação social – que nos dias atuais são
múltiplas – e ao acesso às novas tecnologias. Hoje, cada vez mais consumidores
procuram por celulares com câmeras digitais e acesso à internet. Difícil achar
quem ainda tenha aquele aparelho 3310, da Nokia,
que tinha uma lanterninha acoplada. E não faz muito tempo que ele foi lançado;
talvez uns sete, oito anos atrás. Menos de uma década e o “bicho” está quase
extinto. (Aliás, se alguém tiver ou conhecer quem tenha e queira fazer jogo…).
O fato é que a Cidade dos
Funcionários, em Fortaleza, vivencia também estas mudanças. Se há três ou
quatro anos quase ninguém tinha sequer um celular, hoje um bocado tem aparelhos
com câmera, tocador de músicas e acesso à internet (vale dizer que me
refiro somente aos frequentadores da praça e da calçadinha da fumaça, na Rua do
T). Hoje, o dedim de prosa na quadra
ou na calçada é quase sempre acompanhado de trilha sonora; é raro não ter algum
DJ pronto pra soltar as pedras diretamente do seu celular. E, vou te contar,
trocar uma idéia com uma musiquinha ambiente irada é massa!
A Cidade também tem seus ninjas em busca de boas imagens em situações de confronto. Nas manifestações recentes, o Tay, garoto da selva da Levada, fez vídeos exclusivos que nenhuma emissora de tevê chegou perto. Era a destruição do
carro de uma… pois é, emissora de tevê. Filmou também a retenção de um ônibus
pelos manifestantes, que depois saíram empurrando o cambão em direção à
polícia. Revelou seu lado videomaker até
quando fugíamos da emboscada que a PM armou nesta última manifestação. Num
terreno baldio, que conseguimos pular após escapar às carreiras da cavalaria e
do Raio – e nos depararmos numa rua sem saída (quer dizer, a única saída era
pular o muro e invadir o terreno), ele ainda filmava, com direito a narração e tudo mais: “Estamos aqui, eu e o
Artur, acabamos de pular o muro e caímos nesse terreno (uma pausa para uma
respirada ofegante e… buuummmm!!!), eita, eita, corre, corre, os homi acabaram de soltar uma bomba dentro
do terreno mah…".
O terreno era gigantesco,
muito extenso e com o mato alto. Corremos sem parar até avistar um muro baixo,
que dava para uma rua qualquer. Tay, com o celular sempre à frente do corpo,
filmou toda a fuga. Depois, encontramos o Cachorrim, e já tomando umas cervejas
numa pracinha do Renascer, lá no Dias Macedo – corremos até lá, mais perdidos que cego em tiroteio
-, para comemorar a escapada, descobrimos que o terreno que tínhamos invadido
era do Exército. “Ufa!”, passando a mão na testa e enxugando o suor, que
pingava às bicas. Tin-tin!, saúde, cumpade, escapamos! (Golão de cerveja!) Quanto
às imagens da fuga, ficaram uma coisa assim... à la Bruxa de Blair à moda cearense, tamanha era
a adrenalina (com uma carga maior de medo do que o habitual) e o clima tenso da
hora. Ô Mídia Ninja, ô Nigéria, acho que estão deixando passar despercebido, quem
sabe, um talento nato pra parada de vocês.
No entanto, o que campeia
mesmo por estas bandas é a mídia-molecagem: a arte de captar vídeos e fotos de
momentos ridículos, cômicos, fuleiragens. O maior expoente “cidadeano” nessa
arte é o Nielsen, que, antes disso, é o melhor contador de histórias que
conheço. Interpreta, gesticula, imita a voz, refaz toda a cena do causo que conta como ninguém,
sempre com a gaiatice que lhe é peculiar. É risada na certa! Além de ser ainda o narrador oficial do racha da praça, função que exerce com maestria - e putaria (não tem um jogador que ele não dê um apelido fuleiragem, não escapa um). Leva jeito na arte
de fazer rir o Neguim da Benjamin. Talento made
in Cidade! Imagina agora, na era do uai-fai
e das câmeras nos celulares; o homem desembestou a fazer vídeos: não pode
ver um bebim daquele preço, ou alguém
da galera dançando uma musga
ridiculamente, ou o Marco Doido imitando a cabeça de calango ou fazendo a cara
do cão, ou um bate-boca banal e cheio de graça entre dois moradores:
- (Numa leve ironia) Cala a
boca, Zé Cachacinha, a conversa não é contigo não - disse o Lubinha, numa manhã qualquer embaixo
do pé de nim na calçadinha, após o Plok se intrometer numa prosa.
- Vai tomar nesse teu c* -
disparou de volta o Plok, enquanto lavava o carro do taxista do outro lado da
rua.
- (Num tom bastante irônico)
Zé Cachacinha, te acalma que tu pode ter um troço. Tá vendo, já tá é se tremendo todim porque ainda não tomou uma dose
hoje!
- Vai se f*%#*, lombreiro.
- (Lubinha capricha mais
ainda no tom irônico) Calma, Zé Cachacinha, que ainda vai sobrar um golim aqui pra tu – mostrando e agitando o
litro de cana já com menos da metade. E rindo
debochadamente.
- Vai se f*%#*, pau no c*!
Se eu quiser vou ali no Arnaldo e tomo uma (dose)! Dependo de tu não!
Não se assustem, o Plok é
assim mesmo: late, late, late... Mas não morde. Tem esse jeitão seu Lunga, mas
por trás da carranca e dos incontáveis palavrões você encontra um sujeito bom. Por
sua vez, o Nielsen não dispensa: caiu na rede, é peixe, ou melhor, vídeo. Lendo
assim, nem parece tão engraçada a troca de gentilezas entre os dois, mas vendo
a cena, reparando nas feições dos dois, na ironia do Lubinha e na mansidão do
Plok com a brincadeira (é pior do que cacimba pra pegar corda), é risada na
hora! Mídia-molecagem das boas!
O acesso à internet da
calçada se faz através da rede uai-fai
da casa do Petróleo (ex-atacante do Ceará nos anos 80 e 90), que mora ali. Por
enquanto, os vídeos estão somente circulando, via bluetooth, entre os moradores do bairro, mas, se algum dia um deles viralizar na internet, com milhões de visualizações etc. e tal, os
mestres da mídia-molecagem da Cidade, enfim, terão seus talentos expostos para o
mundo. Embora acredite que essa não seja a intenção de nenhum deles. O intento,
único e exclusivo, é molecar, porque a arte milenar da molecagem é, dizem as
boas línguas, genuinamente cearense – e, sendo assim, não pode morrer jamais! Arte
digna de um povo que já vaiou o Sol por ter demorado a aparecer e elegeu um
bode, o Ioiô, para vereador. A tradição da molecagem, a depender dos artistas
da Cidade, continuará preservada! Ieeeiiiiii!!!!
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