(Ilustração: Revista Siará)
*Artur Pires
É fato inconteste que
Fortaleza viveu um acelerado crescimento demográfico, comercial e,
principalmente, imobiliário na última década e meia. Bairros outrora
periféricos passaram a fazer parte, também, em maior ou menor grau, do ampliado
corredor de serviços e de especulação imobiliária da capital alencarina. A
Cidade dos Funcionários, onde moro, é um exemplo concreto e hiperbólico dessa
expansão desenfreada e mal planejada.
Quando cheguei em Fortaleza,
em 1994, aos 9 anos, vindo de Limoeiro, mas já tendo morado também em Redenção
e Assaré, no interior do estado, lembro que assustei-me com a grandeza da
cidade à época. Na minha visão de menino interiorano, a capital era um monstro
enorme, pronto para me engolir, caso me perdesse em sua imensidão. Tudo era
exagerado, principalmente as distâncias. Estranhava demais ter de ir de carro
para a escola e para o clube onde jogava futebol. Pior: não podia ir à praça
próxima de casa andar de bicicleta, brincar de bila, pião ou empinar pipa, pois
“Fortaleza não é como Assaré, Redenção ou Limoeiro”, diziam meus pais. Logo eu,
já acostumado a fazer esses percursos a pé, pelas calçadas ou no “mêi da rua”. Aliás,
andar de carro, na minha vivência interiorana, era algo pontual: só quando ia à
AABB fazer natação ou acompanhar, com minha irmã, meus pais nas festas dos
bancários ou, ainda, quando ia visitar a parentada querida em Barbalha, no
Crato ou mesmo em Fortaleza.
Contudo, após o
estranhamento inicial, aos poucos fui me acostumando não
com Fortaleza, mas com a Cidade dos Funcionários. O bairro, com ares
periféricos à época, ainda preservava o aspecto bucólico do interior que tanto
me atraía, com ruazinhas estreitas de piçarra
ou, quando muito, calçamento; vizinhos a conversar nas calçadas; e crianças
jogando bola e brincando de carimba no meio da rua. Ademais, mantinha vivas na
minha percepção de mundo as figuras do bodegueiro, seu Jacó, com sua carranca
habitual; do leiteiro, seu Luís, a desfilar contente na sua carroça carregando
gordurosos litros de leite de vaca; da verdureira, dona Otilha, com suas
deliciosas beterrabas; do entregador de pão, seu Cosme, que diariamente deixava
o carioquinha fresquinho na porta de casa; e do seu Nilo, da mercearia, que
vendia à minha mãe a melhor galinha de capoeira da região.
No entanto,
com o passar do tempo e o crescimento vertiginoso e desordenado de Fortaleza, a
Cidade dos Funcionários foi sendo consumida pelo “progresso” predatório e
deixando de lado, gradativamente, seus antigos costumes e personagens. As
grandes cadeias de supermercados substituíram os pequenos comerciantes. O
asfalto nas ruas tirou os vizinhos das calçadas para dar lugar aos automóveis e
suas barulhentas buzinas. As brincadeiras das crianças, como o esconde-esconde
e o pega-ladrão, foram trocadas pelas salas de bate-papo virtuais. O lago
Jacareí, que antes servia para pescar e tomar banho, agora é só para olhar,
tamanha a poluição.
Fortaleza
continua a crescer. A Cidade dos Funcionários também. Não sei até quando. Só
sei que, vivendo ainda no mesmo bairro, sinto saudade da periferia que um dia
me acolheu.
*Artur Pires é morador e amante da Cidade dos Funcionários
** Texto originalmente publicado na Revista Siará (edição nº 37, pag. 34, seção "Olhar sobre a Cidade")
** Texto originalmente publicado na Revista Siará (edição nº 37, pag. 34, seção "Olhar sobre a Cidade")