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Foto: Fabiane de Paula |
Artur
Pires
- Taqui, meu senhor, ó! disse a tiazinha, bem
preta e pano amarrado à cabeça, retirando do panelão, donde borbulhava água
quente que cozinhava outras espigas, um milho verde, entregando-o em mãos a um
homem de grande bucho, mãos peludas e bigode volumoso – que parecia muito com o
Leôncio, do Pica-Pau. O homenzarrão agradeceu, pagou, e se agarrou com gula à
espiga.
O segredo de aproveitar o melhor da feira é
acordar cedo. Foi o que fizemos. E olhe que acordar cedo no domingo não é uma
das coisas que mais aprecio, não, viu! Mas tínhamos que ir à feira. Eu
precisava comprar um aquário e o amigo que me acompanhou, um peixe beta. E
preço melhor que o da feira não há!
A feira da Parangaba – também conhecida como
feira dos pássaros – ocorre há mais de duas décadas, às margens da lagoa que dá
nome a ela e ao bairro. Lá, você encontra a venda de tudo: rolo de fumo,
rapadura, mel, farinha de mandioca, molho de pimenta malagueta, pó de castanha,
linhaça, hortaliças e frutas diversas, porco, pato, galinha de capoeira,
capote, caranguejo, cará, gado, coelho, cabra, ganso, peru (todos os animais
citados, vivos ou mortos, à escolha do freguês), cotia, cachorro, gato, galo
indiano de briga, pássaros, muitos pássaros (vimos até um filhote de carcará – “pega,
mata e come, num vai morrer de fome, mais coragem do que homem” - sendo
comercializado: uma pena!), todo tipo de produto eletrônico, mecânico e
hidráulico, roupas, bonés, lupas, CDs, DVDs, vinis, motos, carros, bicicletas,
celulares, tablets, dindin, caldo de
cana, caldim de caridade, buchada, sarrabulho, panelada, feijoada, cerveja,
cachaça, jogos pra perder dinheiro (perdi dois contos num lá onde tinha que
chutar a bola e derrubar duas garrafas de uma vez), etc. No caso da feira, nem
o etc. vai ser capaz de dar conta da variedade de coisas que se encontra por ali...
Até ciganas, nas devidas indumentárias, prontas para ler as mãos têm na feira!
A feira da Parangaba é maior que a do Assaré, que a de Redenção, que a da
Barbalha e a do Crato juntas; é um mundão de gostos, sabores, cores e gentes...
- Vai querer, tá bem fresquinha, diz o
vendedor de carnes, amolando com muita rapidez o enorme facão com que corta
habilidosamente aqueles troços de porco.
- Seu Zé, hoje eu vou querer só a orelha, o
rabo e bem muito toicim, que é pr´eu fazer uma feijoada daquelas lá em casa.
- Só
se for agora, minha jóia! responde de bate-pronto o vendedor, se preparando
para fatiar o leitão.
Na feira, há tipos diversos. Enquanto tinha
uma caixinha de som à mão e escutava um forró da favela, um pivete que vendia
uma bike, com guidão alto – no estilo
da favela -, anunciava:
- Óia, minino, bike novinha hein! Só o freio
que tá pêdu, mas o resto tá rochedo!
Passeio os olhos rapidamente sobre a
bicicleta e ela me parece bastante baqueada. Pensei: “ora só o freio, besta é
quem compra!”.
- Tá rochedo vete, só olhando mesmo, respondi-lhe,
fazendo um gesto de cumprimento com a cabeça, no que fui prontamente
correspondido.
Dali, rumamos para a tenda do seu João do
Caldo, um senhor com bastante senso de humor, onde rolava um caldim de
cana.
- Seu João, eu vou querer um!
- Na hora, meu fi. Deixa eu botar aqui no seu
caneco? disse seu João, em duplo sentido, rindo tímido, de quem está fazendo
graça!
- Hehehe, gaiatim, né? respondi encabulado.
- Tô falando sério, meu fi. Olhe, tem coxinha
e outros salgados também. Já tá comido? brincou novamente o vendedor de caldo,
lançando mão de um sorriso generoso.
- Hahaha... Já, já! Tomei um café da manhã
reforçado mah. Na próxima vez eu como. Por hoje, só o caldim mesmo!
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Foto: Sara Maia |
Já tínhamos percorrido toda a feira. Agora,
era hora de realizar um desejo, uma vontade antiga: torrar um à beira da lagoa
da Parangaba. Chegando à margem, nos sentamos e experimentamos aquela brisa
suave que vinha das águas, mesmo o clima estando quente! Garças planavam perto
de onde estávamos, pairando no ar, à procura dos carás que abundam por ali. Ao
lado, numa curva da lagoa, pivetes chupavam mangas coités e lançavam uma
tarrafa na água, na esperança de pegar peixes. Foi sal! Ao puxar de volta,
dezenas de carás medindo uma palma de mão, em média, estavam presos à rede de
pesca. Os pivetes comemoraram e chuparam mais mangas! Na metade do beque,
chegou um feirante pedindo uma bolinha, e repartimos os três aquele “pão”. Ficamos
por ali, à beira da lagoa, recebendo de bom grado aquele vento que soprava
manso e nos fazia divagar sobre a grandeza da vida...
Tempos depois, a larica apertou.
- Bora comer uma panelada? sugeriu o amigo
que me acompanhava.
- Ora se...
- Tem ali, ó, disse ele, apontando para uma das
tenda da feira.
A barraquinha que tinha uma sinuca estava
lotada, sem cadeiras e mesa livres. O jeito foi se contentar numa sem sinuca
mesmo. “Deixa pra jogar noutra oportunidade”, pensei. Enquanto aguardávamos a
panelada, pedimos uma cerveja gelada pra aplacar aquele calor. Ao lado, um
papudim solitário nos fitava, comia uma buchada e tomava um burrim, que já ia
pela cintura. Ao fundo, das caixas de som afixadas às estacas que amparavam a estrutura,
Zezé de Camargo gritava estridente: “Menina veneno, o mundo é pequeno demais
pra nós dois...”. Colher às mãos, comemos a panelada gulosamente. Hummmm!!! Ô
coisa boa! Deu até pra escorrer o suor da testa.
Já era perto do meio-dia quando nos
recuperamos da panelada e decidimos retornar à Cidade dos Funcionários. Além do aquário, ainda
deu tempo de comprar um mel de abelha italiana pra curar a rouquidão e as dores
de garganta e uma farinha de castanha do Pará pra adicionar à bananada do café
da manhã e dar-lhe mais sustança.
O que fica de mais rico da feira é o contato
com tipos diversos, principalmente com uma Fortaleza periférica, segregada – nenhum
pouco apavorada! -, que nos escapa muitas vezes, mas que mantém firme e
lindamente suas origens de povo, que se sustenta em meio a essa selva de pedra
excludente com luta, bom humor, criatividade, sangue nos olhos e boas doses de resistência.
- Vai uma esperança aí? Tá fresquinha!
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