(Charge: Novaes)
Por Artur Pires
O assunto é de extrema importância, mas talvez tenha sido
ofuscado pelo julgamento da Ação Penal 470, o famigerado “mensalão’, pela CPI
do Cachoeira, pela greve dos servidores federais, pelas eleições municipais ou,
ainda, pela novela global. Na verdade, o que tem saído na imprensa burguesa
sobre a Lei de Cotas são sempre críticas, desaforos e inconformismos de
representantes atuais da Casa Grande, em total descompasso com os anseios da
Senzala.
A mídia empresarial brasileira, endossada pela elite
conservadora e por boa parte da classe média “metida a rica”, vomitou
ferozmente todo o seu racismo e preconceito social após Dilma Rousseff – depois
do papelão na greve dos servidores federais, até que enfim deu uma dentro,
hein, presidenta? - sancionar a Lei de Cotas. “Vai piorar o ensino superior
público brasileiro”; “acabou a meritocracia como critério de seleção nas
universidades”; “o problema não é a universidade, mas o ensino de base”; “é um
tiro no pé, pois só vai aumentar o racismo e o preconceito contra alunos de
escola pública”, entre outros, foram alguns dos argumentos tacanhos
reiteradamente explorados pelos arautos defensores da educação de privilégios
travestidos de jornalistas e analistas políticos.
O que causou tamanho chororô nas hostes conservadoras foi o
fato da Lei de Cotas reservar 50% das vagas nas universidades e demais
instituições de ensino superior federais para alunos oriundos da rede pública,
ou seja, 120.000 das cerca de 240.000 vagas nestas instituições federais terão
de ser – obrigatoriamente - destinadas a estudantes que cursaram o ensino médio
em escolas públicas. Dentro desse universo de 50%, 25% serão reservados a
alunos que possuem renda familiar mensal igual ou inferior a um salário mínimo
e meio, valor hoje em torno de 933 reais. Os outros 25% se destinarão a
estudantes negros, pardos e indígenas, de acordo com a proporção populacional
dessas etnias em cada estado brasileiro. As universidades brasileiras terão
quatro anos para se adequar à nova lei, sendo que em 2013 elas já têm a
obrigação de reservar 25% das vagas aos cotistas.
Desta forma, está absurdamente claro que a lei, ao ombrear
as condições de acesso à educação superior entre o ensino particular e o ensino
público, entre o rico e o pobre, entre o branco, o negro, o pardo e o índio,
representa um passo gigantesco da educação brasileira, no sentido de
democratizar as oportunidades para todos, independente das condições econômicas
e étnicas – que sempre serviram para aprofundar o fosso das desigualdades
sociais e raciais -, a partir da perspectiva de igualar os historicamente
desiguais. O pior cego é aquele que não quer enxergar isso!
De fato, as cotas não são a fórmula mágica ou o truque final
para eliminar as iniquidades brasileiras, que são parte da nossa estrutura
social, principalmente no acesso à educação superior, mas são, certamente, um
dos meios mais eficazes de mitigá-las em curto e médio prazo, sendo
extremamente necessárias no atual contexto, portanto. Decerto, as cotas não
atacam a raiz do problema, o cerne da questão, posto que esta solução repousa
em um amplo programa nacional suprapartidário de investimento maciço e de
revalorização do ensino público, desde as creches, passando pela séries alfabetizantes,
pelos ensinos fundamental e médio e desembocando, finalmente, nas
universidades. Dentro desse processo, os professores precisam igualmente ser
bem mais valorizados, com salários muito além dos atuais e condições de
trabalho dignas. O método de ensino-aprendizagem também teria de ser revisto, com a
pedagogia freireana assumindo papel primordial nessa nova ideologia
educacional. Sem sombra de dúvidas, um largo salto no desenvolvimento
crítico-analítico dos estudantes seria possibilitado.
Contudo, essa geração de brasileiros e a próxima e,
provavelmente, a que virá após a próxima não podem mais esperar esse dia chegar.
À Senzala, urge que o Estado brasileiro lhe dê condições objetivas e favoráveis
de arrostar a realidade com esperança de melhores dias, dignidade e sonhos. O
discurso vazio e amargo de “um dia as coisas se acertam” não pode ser mais
digerido. Não há mais espaço para tolerar, admitir e encarar como natural da
sociedade brasileira o privilégio de poucos em detrimento de muitos! Há mais de
quinhentos anos o tapete vermelho está estendido à Casa Grande, enquanto à
Senzala cabe tão somente o papel de recolhê-lo e guardá-lo ao final da festa. Chega!
É preciso, sim, criar mecanismos de reparação de desequilíbrios sociais atávicos.
É preciso,sim, dar chance aos que nunca a tiveram. Cotas já!
Texto publicado no Observatório da Imprensa (edição nº 712) e no Brasil de Fato
Texto publicado no Observatório da Imprensa (edição nº 712) e no Brasil de Fato
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