*
Artur Pires
Os meios de comunicação são, nos dias atuais com ainda
maior pujança do que noutros tempos, uma ferramenta imprescindível na disputa
por posições no campo da hegemonia ideológica e, obviamente, de manutenção da
ordem vigente. No Brasil, país continental e amplamente diverso, a comunicação
está nas mãos de um oligopólio formado por grupos empresariais de poucas famiglias – contadas nos dedos - que dominam
e detêm o controle absurdamente majoritário da produção, da distribuição e da
veiculação do conteúdo midiático nacional.
Como se vê, a concentração da comunicação no Brasil é
aterradora. Não fosse isso por si só péssimo, essa mídia empresarial ainda dita,
à sua maneira mercadológica, padrões culturais e de comportamento atrelados à
lógica do consumismo e umbilicalmente ligados ao interesse maior de manter o status quo.
Ao seu modo, a mídia empresarial, controlada por estas
poucas famiglias de magnatas, mantém
o estado das coisas do jeitinho que está: privilégios sócio-econômicos para as
suas castas e de seus bajuladores e ignorância cultural e miséria para o restante
do povo – no meio desse fosso de disparidade, repousa o “retrato comum” da
classe média brasileira, completamente alheia aos problemas sociais, mas
preocupada em comprar o novo modelo de Iphone que acabou de ser lançado.
Os meios de comunicação empresariais, aliados às mais
modernas estratégias persuasivas da publicidade, estão na vanguarda da
sustentação do modo de produção baseado no consumismo e na “descartabilidade”
da mercadoria, que favorece o próprio consumo. O monopólio da
comunicação nas mãos dos barões da mídia – e a tentativa obstinada de mantê-lo - representa, noutra perspectiva, a explícita confissão de sua vassalagem
e conseqüente intersecção à estrutura maior do capitalismo.
Obviamente, a mídia empresarial empreende sua tarefa de manter
o status quo de um modo bastante
cortinado e muito eficaz: vende diariamente mentiras em seus noticiários contra
movimentos sociais, organizações de trabalhadores e iniciativas populares ao
tempo em que hipnotiza e entorpece o grosso da população com programação,
principalmente televisiva, que atende aos anseios e modos de comportamento da “sociedade
do espetáculo”, como bem teorizou Guy Debord, em A sociedade do espetáculo, onde o imagético e a aparência valem bem
mais que a vida real; a vida essencialmente humana dá lugar à vida aparente,
superficial. “Te colocam em frente da TV, trocando as suas raízes por
um modo artificial de se viver. Ninguém questiona mais nada, os homens do poder
agora contam sua piada, onde só eles acham graça, abandonando o povo na
desgraça”, diz o Ponto de Equilíbrio, na sua Ditadura da Televisão.
À menor tentativa de democratizar os meios de comunicação
no Brasil, ou seja, de desbaratar esse conglomerado inconstitucional e de ofertar
a grupos e setores da sociedade civil que não se sentem representados pela
mídia empresarial capacidade de produzir sua própria informação, o oligopólio midiático
brasileiro reage enfurecido e acusa os militantes da democratização de serem
contra a liberdade de imprensa. Pura balela!
Nas sociedades atuais, em qualquer lugar do mundo, a
mídia, principalmente a televisiva, exerce papel central na manutenção e
divulgação das ordens simbólica e institucional. Dito isto, é preciso
urgentemente mudar a realidade midiática no Brasil. Não podemos chamar de liberdade
de imprensa escolher entre o Gugu ou o Faustão, entre a novela do canal “X” e a
do canal “Y”, entre o jornal do canal “Z” e o outro do canal “W”. Todos têm a
mesma essência de atrelamento aos ditames do capital; nenhum deles propõe uma
mudança paradigmática em relação às estruturas dominantes do poder na sociedade.
Pior ainda: nem sequer trazem à tona esse debate.
Em suma, o fato é que enquanto a sociedade brasileira for
refém dessa mídia empresarial, que dita as regras do jogo, não seremos livres,
não viveremos numa democracia, mas num arremedo dela. O mais desesperador de
tudo disso é que enquanto essa mesma mídia – acompanhada da ilusão publicitária,
que transforma a mercadoria no início, no meio e no fim do produto do trabalho
- grassar à solta, a sociedade caminhará cada vez mais para longe de sua
essência genuinamente humana e rumo à fantasia do consumo das aparências, rumo à
vida que é, em si própria, a negação da vida real.
* Artur Pires é jornalista e defensor da desconcentração midiática no Brasil
* Texto publicado no Observatório da Imprensa (edição nº 731)
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