quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

A concentração midiática e a negação da vida real*


* Artur Pires

Os meios de comunicação são, nos dias atuais com ainda maior pujança do que noutros tempos, uma ferramenta imprescindível na disputa por posições no campo da hegemonia ideológica e, obviamente, de manutenção da ordem vigente. No Brasil, país continental e amplamente diverso, a comunicação está nas mãos de um oligopólio formado por grupos empresariais de poucas famiglias – contadas nos dedos - que dominam e detêm o controle absurdamente majoritário da produção, da distribuição e da veiculação do conteúdo midiático nacional. 

Como se vê, a concentração da comunicação no Brasil é aterradora. Não fosse isso por si só péssimo, essa mídia empresarial ainda dita, à sua maneira mercadológica, padrões culturais e de comportamento atrelados à lógica do consumismo e umbilicalmente ligados ao interesse maior de manter o status quo

Ao seu modo, a mídia empresarial, controlada por estas poucas famiglias de magnatas, mantém o estado das coisas do jeitinho que está: privilégios sócio-econômicos para as suas castas e de seus bajuladores e ignorância cultural e miséria para o restante do povo – no meio desse fosso de disparidade, repousa o “retrato comum” da classe média brasileira, completamente alheia aos problemas sociais, mas preocupada em comprar o novo modelo de Iphone que acabou de ser lançado.

Os meios de comunicação empresariais, aliados às mais modernas estratégias persuasivas da publicidade, estão na vanguarda da sustentação do modo de produção baseado no consumismo e na “descartabilidade” da mercadoria, que favorece o próprio consumo. O monopólio da comunicação nas mãos dos barões da mídia – e a tentativa obstinada de mantê-lo - representa, noutra perspectiva, a explícita confissão de sua vassalagem e conseqüente intersecção à estrutura maior do capitalismo.  

Obviamente, a mídia empresarial empreende sua tarefa de manter o status quo de um modo bastante cortinado e muito eficaz: vende diariamente mentiras em seus noticiários contra movimentos sociais, organizações de trabalhadores e iniciativas populares ao tempo em que hipnotiza e entorpece o grosso da população com programação, principalmente televisiva, que atende aos anseios e modos de comportamento da “sociedade do espetáculo”, como bem teorizou Guy Debord, em A sociedade do espetáculo, onde o imagético e a aparência valem bem mais que a vida real; a vida essencialmente humana dá lugar à vida aparente, superficial. “Te colocam em frente da TV, trocando as suas raízes por um modo artificial de se viver. Ninguém questiona mais nada, os homens do poder agora contam sua piada, onde só eles acham graça, abandonando o povo na desgraça”, diz o Ponto de Equilíbrio, na sua Ditadura da Televisão.

À menor tentativa de democratizar os meios de comunicação no Brasil, ou seja, de desbaratar esse conglomerado inconstitucional e de ofertar a grupos e setores da sociedade civil que não se sentem representados pela mídia empresarial capacidade de produzir sua própria informação, o oligopólio midiático brasileiro reage enfurecido e acusa os militantes da democratização de serem contra a liberdade de imprensa. Pura balela!

Nas sociedades atuais, em qualquer lugar do mundo, a mídia, principalmente a televisiva, exerce papel central na manutenção e divulgação das ordens simbólica e institucional. Dito isto, é preciso urgentemente mudar a realidade midiática no Brasil. Não podemos chamar de liberdade de imprensa escolher entre o Gugu ou o Faustão, entre a novela do canal “X” e a do canal “Y”, entre o jornal do canal “Z” e o outro do canal “W”. Todos têm a mesma essência de atrelamento aos ditames do capital; nenhum deles propõe uma mudança paradigmática em relação às estruturas dominantes do poder na sociedade. Pior ainda: nem sequer trazem à tona esse debate.

Em suma, o fato é que enquanto a sociedade brasileira for refém dessa mídia empresarial, que dita as regras do jogo, não seremos livres, não viveremos numa democracia, mas num arremedo dela. O mais desesperador de tudo disso é que enquanto essa mesma mídia – acompanhada da ilusão publicitária, que transforma a mercadoria no início, no meio e no fim do produto do trabalho - grassar à solta, a sociedade caminhará cada vez mais para longe de sua essência genuinamente humana e rumo à fantasia do consumo das aparências, rumo à vida que é, em si própria, a negação da vida real. 

* Artur Pires é jornalista e defensor da desconcentração midiática no Brasil

Texto publicado no Observatório da Imprensa (edição nº 731) 


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