quinta-feira, 31 de maio de 2012

Greves em Fortaleza: nem tudo o que parece é!


A mídia nutre verdadeira ojeriza a movimentos socias e de trabalhadores (Charge: Rafa)

Artur Pires

Na última terça-feira (29), após episódio em frente ao jornal Diário do Nordeste, os fortalezenses foram bombardeados com notícias acerca do quebra-quebra que resultou com a vidraçaria da fachada do jornal vindo abaixo, após confronto entre seguranças do DN e trabalhadores de dois segmentos – gráficas e construção civil - em greve. Em todos os veículos de comunicação que noticiaram o ocorrido, uma unanimidade: a criminalização do movimento paredista. De fato, as imagens são bastante contundentes: trabalhadores estilhaçando com pedras a vidraça do jornal. No entanto, vale a ressalva, nem tudo o que parece é.

Os jornais, o DN incluso (lógico!), apressaram-se a contar o ocorrido estritamente sob a ótica dos donos da empresa. Parlamentares foram contatados para expressar seu repúdio com a “selvageria” dos trabalhadores grevistas. Na cobertura dos fatos pelos noticiosos, coincidentemente - ou não? -, outra unanimidade: não foi ouvido o outro lado do ocorrido. Quando muito, uma ou duas linhas escondidas para a versão dos trabalhadores em greve em meio a páginas inteiras de ataques e acusações furiosas contra os mesmos e seus movimentos. Na tevê, a cobertura foi ainda mais tendenciosa, uma vez que os sindicatos da construção civil e dos gráficos sequer foram ouvidos.

Nós, jornalistas, aprendemos ainda nos primeiros semestres de faculdade uma lição básica da futura profissão que abraçaremos: ouvir os dois (ou três, quatro, quantos houver) lados da notícia. Lembro bem do meu professor e mestre, Agostinho Gósson, falando insistentemente para termos sempre o cuidado de escutar as diferentes versões que, por ventura, possam haver de um mesmo acontecimento. Não é o que fazem os “jornalões” da mídia empresarial, representados aqui no Ceará pelo O Povo (grupo Demócrito Rocha) e, principalmente, pelo Diário do Nordeste (grupo Edson Queiroz).

Desde o início da greve dos operários da construção civil e, mais recentemente, dos gráficos, a tônica do noticiário é uma só: criminalizar os movimentos, taxando seus trabalhadores grevistas de vândalos, baderneiros, selvagens, arruaceiros, mesmo sendo a greve um direito legítimo amparado por Lei Federal. Não é de hoje que a mídia empresarial usa desses artifícios para lançar a sociedade contra movimentos sociais e dos trabalhadores. Os leitores, ouvintes e telespectadores quase sempre acreditam piamente em tudo o que leem, escutam e assistem – e assim a versão da imprensa convencional é assimilada como “verdade absoluta”. Afinal, a mídia não tem por que mentir, não é? É aí que a gente se engana. A grande mídia (que de grande, em termos éticos, morais e humanos, não tem nada) produz notícia a partir dos interesses de seus grupos empresariais. Para estes grupos, movimentos sociais, sindicais e grevistas não são interessantes às suas conveniências, uma vez que esses movimentos, quando não cooptados pelo status quo, contestam a ordem social excludente e injusta que essa mesma mídia tenta, a todo custo, conservar.

O caso da última terça-feira é emblemático. De antemão, quero deixar claro que sou veementemente contrário ao uso da força bruta e da violência para se conquistar algo na esfera sindical: acredito na luta de classes, na mobilização, na união, na negociação e na GREVE como pontes fundamentais para avanços trabalhistas e salariais, seja qual for a categoria. Portanto, acho que os grevistas erraram feio ao agredirem fotógrafos na última semana e apedrejarem a vidraçaria do Diário. Com essas atitudes, só municiam a mídia para atacá-los e, consequentemente, enfraquecer seus movimentos, que, reitero, são justos e legítimos.

Em relação aos ataques a fotógrafos do DN e d´O Povo na última semana, conheço apenas as versões oficiais dos jornais – e a partir delas faço a crítica às cegas (posso estar, inclusive, sendo injusto, uma vez que não tomei conhecimento da versão dos trabalhadores grevistas). No entanto, o que poucos sabem até agora é que, segundo o Sindicato dos Gráficos do Ceará e o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil da Região Metropolitana de Fortaleza, o confronto da última terça-feira foi iniciado após um dos seguranças do Diário do Nordeste ser visto com uma grande pedra na mão pronto para arremessá-la. Rapidamente, um grevista partiu para cima do segurança tentando impedi-lo de lançar a pedra contra a multidão de trabalhadores. Nesse momento, o trabalhador foi agarrado e arrastado para o interior do jornal. A resposta dos paredistas foi tentar invadir o DN para retirar o trabalhador “preso”.

Depois desse momento, o que se viu foi o confronto e o quebra-quebra entre grevistas e seguranças. Sem ter feito esforço nenhum, o Diário do Nordeste ganhava de mãos beijadas e vidraças quebradas a manchete de capa e o editorial do dia seguinte. Mais do que isso: agora, sim, ele podia provar o quanto esses trabalhadores são “selvagens”. Afinal, o que são poucos mil reais para reparar uma simples vidraça perto da condenação moral e da execração pública que os trabalhadores iriam enfrentar daquele dia em diante. Maquiavélico, não? Pois é! Mas qualquer semelhança com jornais que você costuma ler e assistir NÃO é mera coincidência.


Reproduzo abaixo nota conjunta do Sindicato dos Gráficos do Estado do Ceará e do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil da Região Metropolitana de Fortaleza


QUANDO A LIBERDADE SERVE APENAS PARA UM GRUPO SOCIAL, NÃO É LIBERDADE DE IMPRENSA E NEM LIBERDADE PLENA.

Nos últimos 23 dias de greve dos operários da construção civil e 13 dias de greve dos trabalhadores gráficos, vimos claramente a quem servem os donos da mídia, e não é a sociedade como um todo.

A mídia de uma sociedade democrática deve primar por princípios éticos que garantam transparência e primem pela verdade dos fatos.  Boa parte da mídia no Ceará prima por seus próprios interesses econômicos e sociais. Repetindo uma velha forma de reprodução do discurso hegemônico sobre os movimentos sociais: a total exclusão ou a criminalização.

Em 13 dias de greve dos trabalhadores gráficos, a sociedade só obteve informação desse processo de luta quando foi interessante responsabilizar uma categoria inteira e sua direção sindical por um ato motivado pela segurança da própria empresa.  A luta dos gráficos não existia, ao menos para os leitores cearenses, porque para a categoria que enfrentou práticas ilegais como substituição de grevistas e até o confinamento, ela existe e serve para que pais e mães de família lutem por melhores condições de vida e de trabalho.

E em 23 dias de greve dos operários da construção civil, vimos como é possível a criminalização de um movimento. Embora a direção da entidade repita constantemente que não incentiva violência, que não fornece bebidas alcoólicas e que defende a liberdade de imprensa, o que vemos é a constante reprodução de notícias que tratam os grevistas como baderneiros, vândalos e bêbados. Chegou-se ao ponto de se mostrar um trabalhador fumando cigarro Maratá e insinuar que se tratava de um cigarro de maconha.

Imagens de antigos processos de luta são utilizadas para insinuar quebradeira, imagens de funcionários do sindicato fechando um portão são usadas com o mesmo intuito. Uso de câmeras ocultas. Alegações de agressão e vandalismo, sem comprovação de imagem. E tantas outras formas de manipulação da informação que já foram denunciadas em nota pela entidade sindical.

Generalizam-se as exceções. E o que as entidades solicitam? Que mostrem o que está errado, mas não esqueçam a imparcialidade, consultem os dois lados e não acusem sem provas.

Mas, ontem (29/05), a superação de como a imprensa pode julgar fatos chegou ao seu ápice, buscaram declarações de personalidades do Estado, que se pronunciaram sem ao menos ouvir os dois lados, e, diga-se de passagem, pessoas que em tanto tempo de luta desses trabalhadores, jamais se manifestaram em defesa dessas categorias.

Por que nenhum desses entrevistados questionou as 28 mortes acontecidas nos canteiros de obra de 2011 até hoje? Por que nenhuma delas questionou por que foram substituídos os grevistas gráficos com contratação de outros trabalhadores? Por que em nenhum momento colocaram-se na defesa da luta dos trabalhadores, ou pediram que os patrões mostrem-se mais dispostos em negociar?
Quanto ao dia de ontem, mais uma vez vimos como uma história pode ser construída.  Através desta nota, tentamos esclarecer a sociedade e aos jornalistas (trabalhadores), sobre os fatos:

1- O trio elétrico da entidade, onde se encontravam a direção das entidades, cruzava a rua lateral do jornal, quando teve inicio o confronto entre a segurança contratada pelo Diário do Nordeste e alguns trabalhadores;

2- O confronto foi iniciado, pois segundo informações colhidas pela direção do sindicato junto aos trabalhadores, um segurança do jornal teria tirado uma pedra do jardim e chegou a ser orientado para trocar por uma maior;

3- A tentativa de segurar uma pedra, foi impedida por um trabalhador que segurado pelo braço, foi sendo arrastado para o interior do jornal;

4- Foi quando a categoria enfrentou a segurança;

5- Mesmo assim, o presidente do Sindicato dos Gráficos pegou o microfone do carro de som e gritando aos manifestantes pediu que as categorias recuassem e não caíssem em qualquer tipo de provocação;

6- Membros da direção do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil fizeram com seus corpos uma corrente de proteção ao Diário do Nordeste para conter a situação, ironicamente a foto dos dirigentes fazendo a corrente foi capa do próprio jornal;

7- O assessor político do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil, Valdir Pereira, nunca esteve no local, ao contrário do que foi publicado.

Apesar desta cobertura fora dos códigos de ética da profissão dos jornalistas. As duas entidades sindicais mais uma vez vêm a público afirmar, que não incentivam violência contra jornalistas e são defensores da liberdade de imprensa (o que é diferente de liberdade de mentira ou de liberdade de empresa).  

A revolução não será televisionada...

- Sindicato dos Gráficos do Estado do Ceará
- Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil da Região Metropolitana de Fortaleza

4 comentários:

  1. É imprescindível ouvir as duas partes em toda e qualquer lide. Não podemos simplesmente depois de ouvir um depoimento tomá-lo como verdade absoluta e inquestionável sem permitir ao outro o direito a ampla defesa. A mídia tem uma grande capacidade de manipular a opinião das pessoas, muitas vezes utilizada em benefício próprio ou de parceiros. Concordo com a luta de toda e qualquer categoria pela melhora nas condições de trabalho e de salários, entretanto, o que estamos vendo, não só em nossa capital, como em vários outras cidades do país, são movimentos sindicais, muitas vezes apoiados por políticos - que negociam apoio ao movimento em troca de votos -, que se utilizam do direito a greve para realizar atos de total vandalismo. Como afirmei anteriormente, é importante observar os "dois lados da moeda", e foi o que fiz. Acredito que você autor, já deve ter vindo à minha residência, situado na Rua Mestre Jerônimo, na Varjota. Hà alguns dias, presenciei e registrei um verdadeiro ataque a uma obra ao lado do meu prédio. Para se ter noção, os "terroristas", porque seria um insulto a classe trabalhista chamá-los de trabalhadores, derrubaram o portão da obra, depredaram o prédio, quebraram caixas com azulejos que seriam utilizados no piso da construção e insultaram os operários que não queriam aderir a greve. Isso eu não li em nenhum jornal, muito menos assisti em noticiário de televisão, vi com meus próprios olhos e registrei com meu aparelho celular. Na minha opinião, precisamos é de mais DEVERES, e não de mais direitos.

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  2. Pois é, Bindá. Acho que atos como esse que você presenciou só depõem contra o movimento grevista - e é isso o que a mídia quer. É a minoria grevista que pratica estes atos e, com isso, a maioria acaba "pagando o pato". Acho que os comandos dos sindicatos poderiam procurar alguma maneira eficaz de controlar esses casos abusivos. Agora, discordo de você em relação à sua última frase; acho que precisamos, sim, de mais direitos e não mais deveres. Os cidadãos já pagam altas taxas de impostos (deveres) sem receberem serviços de qualidade em saúde e educação de contrapartida dos governos.

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  3. Certo Artur, você têm razão, a carga tributária brasileira é uma das mais altas do mundo, entretanto, o retorno dado pelo governo é péssimo! Você sugeriu um ótimo exemplo, o direito, este já temos, quero dizer o de fiscalizar, o de cobrar que os recursos arrecadados sejam aplicados da melhor maneira possível, mas e o que fazemos? Reclamamos em conversas informais que não surtem nenhum efeito prático. Imagina se tivéssemos o dever, como cidadãos que somos, de exigir o que é prometido? Penso que muita coisa iria mudar. Quer outro exemplo? Você escreve neste blog artigos interessantíssimos, questões geralmente polêmicas e contraditórias,capazes de gerar grande discussão, e quantos dos que conhecem o conteúdo aqui escrito o lêem? O site globo.com neste exato momento está congestionado de tantos acessos para ver quem "pagou mais peitinho" no BBB, o X Videos então nem se fala. Mas é um direito de cada um certo? E onde que ficam os nossos deveres de refletir, questionar e opinar sobre assuntos verdadeiramente importantes que estão acontecendo em nosso país? Forte abraço Artur.

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  4. Pode crer, Bindá. Acho que você sintetizou a crise de letargia, de ativismo, de alienação que estamos vivendo. O BBB e a Fazenda são muito mais importantes que a discussão sobre nossos problemas sociais, infelizmente. Façamos nossa parte, discutamos, debatamos, procuremos praticar a cidadania....quem sabe um dia as coisas mudam! Quero estar vivo para viver isso!

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