(Charge: Arionauro)
*Artur Pires
Esta semana, correu nas redes sociais uma reportagem do programa “Brasil Urgente”, da TV Band Bahia, na qual a metida a jornalista, Mirella Cunha, humilha e zomba de um jovem negro acusado de ter assaltado e estuprado uma mulher em Salvador (veja aqui). A reportagem é de embrulhar o estômago tamanha a revolta e a indignação que acomete qualquer pessoa que minimamente valorize os direitos humanos e de dignidade dos cidadãos.
Ao longo de toda a reportagem, o jovem parece assustado, apavorado e nega veementemente que tenha estuprado a mulher. Mas Mirella não está preocupada com o que ele tem a dizer. Ali, a personagem principal é ela. A pseudojornalista chacoteia o jovem negro com uma empáfia digna de quem não o considera do seu mundo, à altura da sua estirpe.
A propagação do vídeo nas redes sociais causou tanta indignação entre as pessoas que assistiram à humilhação que o Ministério Público Federal na Bahia representou junto à Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão para que sejam adotadas as medidas cabíveis contra a repórter. A Band, emissora responsável pelo programa-lixo “Brasil Urgente”, se vendo acossada pela opinião pública e temendo perder anunciantes e audiência, veio a público, por meio de nota oficial, condenar a atitude da repórter. A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e o Sindicato dos Jornalistas da Bahia também lançaram notas repudiando Mirella e o programa.
O caso da reportagem, que ganhou repercussão nacional, é simbólico para uma análise sobre o mal que programas policialescos como o “Brasil Urgente” trazem para a sociedade. O programa do qual Mirella é repórter não se diferencia dos demais do gênero, que ocupam espaços generosos nas grades de programação das emissoras televisivas em todo o Brasil. Aqui no Ceará, o arroz, feijão e bife do almoço são devorados em meio aos olhos vidrados na tela de tevê, que “delicia” seus telespectadores com muito sangue, assassinatos, chacinas e acontecimentos afins.
A atitude de Mirella também não é diferente dos “repórteres” dos policialescos cearenses. Tem repórter que, de tanto zombar dos presos, ganhou, de brinde, o mandato de deputado estadual e, de quebra, um programa (policialesco, claro!) só dele. Outros seguiram o exemplo. Há repórteres e apresentadores que, fazendo uso da popularidade adquirida com os programas, também conseguiram eleger-se deputados e vereadores. Atualmente, compõem a “bancada da bala” na Câmara Municipal e na Assembleia, bem como no Congresso Nacional.
Entre as características comuns a esses programas-lixo estão o desprezo pelo entrevistado, quando este é o preso; a carnificina escancarada (quanto mais sangue, melhor); a não discussão acerca da corrupção policial, mas, pelo contrário, a defesa intransigente dos PMs, “os defensores e heróis da população”; a criminalização dos moradores da periferia, que, paradoxalmente, são os principais consumidores desses lixos; a vitimização exacerbada da classe média, que “sofre na mão dos bandidos, esses meliantes que merecem surra de porrete, tortura e, depois, a prisão”; o desrespeito total e irrestrito à dignidade e aos direitos humanos dos cidadãos; além da formação de currais eleitorais escondidos por trás de um assistencialismo barato e promoções “engana besta” das mais diversas.
O circo de horrores protagonizado por esses lixos televisivos tem que acabar. Não dá mais para aceitarmos passivamente estes senhores da guerra vociferando cinicamente contra a violência e a “bandidagem”, quando na verdade contribuem para o adoecimento da sociedade e a tornam ainda mais violenta. É muita coincidência que o índice de violência nas grandes capitais tenha recrudescido concomitante à propagação nos quatro cantos do país desses programas-lixo. A conclusão óbvia que podemos fazer é que estes programetes expandem, sim, a violência, principalmente nos bairros periféricos, e alargam o medo social que a burguesia nutre pelos moradores da periferia, além de outros efeitos deletérios, como a banalização da vida, por exemplo, na medida em que, ao bombardear os telespectadores com assassinatos, execuções sumárias, homicídios, latrocínios etc., naturalizam de tal forma a morte violenta que as pessoas que assistem a esse espetáculo televisivo recheado de sangue à la Tarantino passam a vê-la como normal.
Se nada for feito no sentido de combater o crescimento vertiginoso desses lixos na tevê, caminhamos para um futuro tão doentio socialmente que imagino apresentadores da “bancada da bala” posando de arautos da paz e da harmonia social. Pois é, tomara que esse dia nunca chegue, mas, por via das dúvidas, vade retro e bate na madeira três vezes!
É um erro pensar que este tipo de programa pretende servir a sociedade para que esta possa reconhecer ou até mesmo denunciar algum bandido quando, na verdade, o seu maior interesse esta em lucrar com anúncios e lançar apresentadores a cargos públicos eletivos. Quanto ao último assunto, é importante observar que, depois de eleitos, alguns destes apresentadores, em especial em nosso Estado, apresentam poucas ou nenhuma proposta para a queda da violência! Será por medo de serem os próximos a cair - digo, do cargo parlamentar-?
ResponderExcluirPoisé, Bindá. Concordo contigo. O grandes interesses desses programas são o lucro obtido com os anunciantes (que também são responsáveis, uma vez que financiam esses lixos televisivos) e o "trampolim" para cargos públicos. E, claro, depois de eleitos, o que eles querem é a zona de conforto, pouco ou nada se preocupando em desenvolver projetos que ponham fim à violência. Enfim, triste de nós, cearenses e brasileiros, que temos programas tão ruins e de interesses escusos empestando a programação de nossas tevês. Valeu pela leitura, Bindá. Abraço, cara!
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