terça-feira, 10 de abril de 2012

Abolicionistas: lobos em pele de cordeiro

Por trás do bigode e das pseudoideias humanitárias dos abolicionistas brasileiros, como Joaquim Nabuco, se escondia a real intenção de preservar os interesses dos fazendeiros (Foto: autor desconhecido)

Artur Pires

Além do mito do paraíso racial brasileiro, que se encontra presente na sociedade brasileira até hoje, há ainda um outro mito que foi mantido por muitas décadas pela história tradicional:  o de que os abolicionistas brasileiros eram homogeneamente “bonzinhos” e salvaram, por sua conta e risco, os negros das agruras da escravidão, cabendo a estes últimos o mero papel de agentes passivos no processo abolicionista. Falácia. Essa visão distorcida dos fatos históricos esteve presente por muito tempo, inclusive entre os próprios historiadores – conservadores, claro. E certamente ainda é vista como verdade absoluta por boa parte da nossa sociedade. Uma outra versão histórica, amparada na real verdade dos fatos, e defendida pela corrente da História Social, veremos nas linhas abaixo.

Primeiro, os abolicionistas estavam preocupados mais com a economia do país do que com outra qualquer. Na visão deles, a escravidão deveria acabar; contudo, muito mais por razões econômicas do que por questões humanitárias. Eles queriam garantir que, ainda assim com a abolição, os interesses dos senhores donos de escravos fossem preservados. Dessa forma, na percepção abolicionista, a eliminação da condição de escravo não implicava em uma luta pelos direitos civis dos negros, e menos ainda em uma distribuição diferente do poder político-social.

À época, dois temas foram fundamentais e recorrentes nos discursos abolicionistas: o desequilíbrio social e racial de uma sociedade escravista e a não lucratividade da escravidão. “Os abolicionistas brasileiros tendiam mais a enfatizar a necessidade de ultrapassar o atraso e alcançar progresso nacional do que a promover qualquer política de reparação voltada para os ex-escravos e seus descendentes1” (p. 202).

Por trás da bandeira de ideais nobres iluministas, escondia-se a real intenção abolicionista de preservar os privilégios da elite fazendeira. Sua visão economicista não se importava com o futuro do negro liberto, mas sim com o desenvolvimento e o progresso do país nos moldes das nações européias. A abolição da escravatura era apenas o pano de fundo do projeto abolicionista, que visava primordialmente a inserção do Brasil no capitalismo industrial.

Para se entender todo o pragmatismo das posturas abolicionistas, é necessário analisar como e em quais circunstâncias surgiu esse movimento no Brasil. O abolicionismo no Brasil surge a partir de um grande movimento a nível mundial - influenciado pelas idéias iluministas - contrário à escravidão. “Em meados dos anos de 1860, o abolicionismo como um movimento internacional começava a se enraizar entre intelectuais e políticos brasileiros1” (p. 59).  Assim, crescia nas ruas das grandes cidades do país o movimento popular contra a escravidão. O abolicionismo surge quase como uma consequência inevitável de todo esse contexto social. Contudo, os abolicionistas brasileiros sempre deixaram claro que a sua intenção não era revolucionária, mas tão-somente reformista2.

Senhores de escravos “bonzinhos”

Os senhores de escravo não queriam perder de jeito nenhum o seu domínio sobre os negros (Ilustração: Ângelo Agostini)

Nesse período de efervescência do movimento contra a escravidão, até mesmo os fazendeiros proprietários de escravos, percebendo a oportunidade que a situação ensejava, iniciam um processo de conceder alforrias. No entanto, encoberta pela aparente sensibilidade humanitária, o que se escondia era uma estratégia cruel de aprisionamento disfarçado. A idéia, maquiavelicamente pensada, era convencer os escravos de que a alforria necessariamente passava pela obediência e fidelidade ao senhor. Dessa feita, “a concentração do poder de alforria exclusivamente nas mãos dos senhores fazia parte de uma ampla estratégia de produção de dependentes, de transformação de escravos em negros libertos ainda fiéis e submissos a seus antigos proprietários3” (p. 141). Assim,

[...] A concessão de alforrias, no plano geral, vai funcionar como o destensionador necessário para uma pressão muito intensa que agora se exerce de dentro do próprio espaço de produção escravista, ao mesmo tempo em que os senhores continuam reservando para si o direito de escolher aqueles que farão a passagem para o mundo liberto, e como a farão3 (p. 143).

Dessa maneira, fica evidente que os abolicionistas, considerados por um corrente da historiografia tradicional como revolucionários em sua luta contra a escravidão e o racismo, surgiram, na verdade, a partir de um movimento popular contra a escravidão que brotou espontaneamente das ruas – movimento este influenciado por mudanças e transformações internacionais - e fizeram apenas o papel de porta-vozes e vanguardistas de um processo de transição, que tinha em seu bojo como principais objetivos a manutenção do estado das coisas e a consequente entrada do Brasil no mundo capitalista. “A falta de uma profundidade moral explicava porque os abolicionistas puderam atacar o privilégio e a injustiça, mas, ao mesmo tempo, foram incapazes de visualizar o futuro do país sobre uma nova base, incluindo-se medidas sociais que beneficiassem os libertos1” (p. 202).

No próximo texto, veremos como se deu o protagonismo negro no processo de abolição no Brasil. 

1. AZEVEDO, Célia Marinho de. Abolicionismo: Estados Unidos e Brasil, uma história comparada (século XIX). São Paulo, Annablume, 2003.

2. _____. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites século XIX. São Paulo, Annablume, 2004a.

3. BARROS, José D´Assunção. A construção social da cor: diferença e desigualdade na formação da sociedade brasileira. Petrópolis, Vozes, 2009. 


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