(Foto: autor desconhecido)
Vicente Olsen**
Expostos a diversos perigos e riscos à
saúde, a jornada diária dos catadores é uma verdadeira prova de vulnerabilidade
e resistência
Andam quilômetros nas ruas carregando
pesadas carroças, disputam perigosamente espaço com veículos, estão sujeitos a
inúmeros riscos à saúde com aquilo que os sustenta. Sob sol escaldante ou no
silêncio das noites, juntam um pouco de dinheiro com o que a cidade descarta: o
lixo.
Segundo a Prefeitura, estima-se que existam
mais de 8 mil catadores de recicláveis em Fortaleza. Destes, pouco mais de 600
se organizam nas 16 associações e cooperativas existentes. A maioria negocia
diretamente com os “deposeiros”, como são conhecidos aqueles que compram dos
carroceiros, armazenam e revendem para as usinas e fábricas de reciclagem. Os
números são incertos, pois a rotatividade na atividade é grande.
Nessa lida com os resíduos sólidos, a
insalubridade de trabalho desses agentes ambientais é enorme. Segundo Regina
Heloísa Marciel, coordenadora do projeto “Condições de Trabalho dos Catadores
de Material Reciclado da cidade de Fortaleza”, realizado pelo Laboratório de
Estudos sobre o Trabalho (LET), da Unifor, a manipulação desses materiais sem
as condições adequadas de proteção, causam problemas à saúde física e mental.
Entre os riscos físicos destacam-se os
problemas de pele, micoses em geral, disfunções músculo esqueléticas,
ocasionadas pelo enorme peso que carregam a pé por quilômetros, e as infecções
generalizadas. Entre os problemas mais incomuns, observam-se a desnutrição, os
problemas respiratórios advindos da inalação de gases putrefatos do lixo e as
infecções intestinais, “já que alguns literalmente moram no lixo, comem do
lixo”, alerta Regina.
Além do cansaço, de acordo com a
pesquisadora há relatos de alguns catadores que “perdem os sentidos, dão um
branco” quando estão trabalhando nas ruas. O problema ocorre provavelmente
devido à má nutrição e à insolação ocasionada pela exposição constante ao sol
sem a proteção necessária, o que também contribui para o desenvolvimento de
diversos problemas de pele.
Há ainda os riscos de cortes e ferimentos,
além da disputa constante com os veículos no trânsito, podendo gerar traumas
físicos. “Tem carro que bota em cima, só de mal”, afirma o coletor José Joseni
Barbosa, de 54 anos, que trabalha há 10 anos com materiais recicláveis.
“Comecei nessa vida porque não arranjava emprego, e é um trabalho digno”,
afirma. Quanto à sua saúde, reclama somente do braço, que “dói muito no fim do
dia”, mostrando o punho esquerdo. “É o peso”, afirma conformado.
Há riscos também à saúde mental desses
trabalhadores. “Há um problema muito grande com a autoestima dessas pessoas,
pois ocorre uma perda de identidade muito grande. Muitos passam a ser identificados
com aquilo que eles trabalham”, aponta a coordenadora do LET.
Esse fator é um agravante para o
desenvolvimento de doenças sérias como o alcoolismo e o uso de entorpecentes,
que é mais intenso entre os homens. Existem denúncias dos próprios catadores de
que alguns deposeiros “pagam” em droga, principalmente para aqueles catadores
que trabalham sem carroça, apenas “no saco”.
As mulheres coletoras sofrem
particularmente com elevado número de infecções urinárias. Uma parte
considerável das catadoras pesquisadas pelo Laboratório de Estudos sobre o
Trabalho sofre tal complicação devido ao fato de fazerem suas necessidades
fisiológicas em vias públicas, não havendo assim a higienização devida.
As famílias catadoras estão sujeitas a mais
riscos. Algumas delas levam seus filhos nos carrinhos junto com o material
coletado. “Tem vezes que levamos a mais minha nova (de 7 anos), pois não temos
com quem deixar”, justifica a catadora Francisca Verônica Cruz, de 45 anos, coletora
da Associação de Catadores da Comunidade Universo. Algumas famílias contam
justamente com essa ajuda dos filhos para aumentarem a quantidade de material
coletado e assim engordarem um pouco mais a renda no fim do dia.
“No caso dessas crianças, os riscos aumentam”,
alerta Regina. Por não terem um sistema imunológico como o de um adulto,
somadas à má nutrição, às dificuldades inerentes do trabalho e ao tipo de
material com que lidam, os mais novos sofrem com micoses, infecções e
desidratações.
Mais
problemas
(Charge: Benett)
Um agravante identificado pela pesquisa do
LET é que boa parte dos catadores não relaciona os problemas de saúde que
possuem com o trabalho que exercem. “Vejo isso como uma espécie de desculpa, o
trabalho não pode me adoecer, pois é o que eles tem para viver”, procura
explicar a coordenadora do laboratório.
Regina Maciel aponta que as associações são
uma forma dos catadores se protegerem e buscarem outra identidade, pois aqueles
que trabalham em depósitos enfrentam problemas como a coerção e violência de
deposeiros e de outros coletores. Porém, a realidade dos associados não é tão
fácil assim. Nos depósitos o pagamento é menor, mas realizado na hora da
entrega do material. Já nas associações o pagamento demora e “muitos necessitam
do dinheiro ali no dia”, defende Regina. Além disso, nas associações existem
brigas e disputas internas, onde a falta de instrução formal dificulta a
autogestão dos catadores, “sobram desconfianças”.
Melhorias
José Joseni acredita que as melhorias virão
quando a atividade for regulada. “Temos que ter cadastro, fardas, telefones
para contato, somos muito discriminados, até da polícia sofremos violência”,
denuncia. Para o catador, as associações são essenciais, pois são locais onde
guardam as carroças e os resíduos coletados, evitando os perigos de juntar o
lixo em casa. Risco que a presidente da Associação de Catadores da Comunidade
Universo, Maria de Fátima, conhece bem, já que seu filho contraiu micoses
devido ao lixo que juntava em casa.
Para a professora Regina Maciel, o problema
é complexo. A pesquisadora critica a falta de uma política unificada entre
prefeitura, governos estadual e federal, iniciativa privada e sociedade,
defende uma coleta controlada, regulada e fiscalizada pelo poder público em
parcerias com a iniciativa privada. Em vez das ruas, os catadores trabalhariam
em usinas na separação e seleção dos materiais.
“A sociedade tem que começar a querer saber
dos catadores”, desabafa Regina Maciel. “O lixo dá lucro”, porém deve haver
esforços para “coibir que isso se sustente na situação de vulnerabilidade dos
catadores”, conclui.
** Vicente Olsen é historiador (UECE) e estudante do curso de Jornalismo (UFC), além de goleiro do glorioso Shiryu Futebol Clube, o maior time da história da Comunicação Social da UFC
Eu como também sou uma catadora sei muito bem como é nossa vida dia a dia com sol quente e chuva trabalho cansativo mas me sinto muito orgulhosa de pelo menos ao final do dia agradecer a Deus pelo meu trabalho ..
ResponderExcluirÓtimo texto
ResponderExcluirFoi utiul
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