segunda-feira, 2 de abril de 2012

Ciência a serviço da escravidão

A "raça" negra foi considerada inferior por muitos séculos, visão endossada por pesquisas "científicas" (Ilustração: Latuff)

*Artur Pires

Como visto anteriormente, após construírem o conceito de uma “raça” negra uniforme e de um continente africano uno, sem diferenças tribais e étnicas, os colonizadores europeus, ajudados por uma elite nacional conservadora e racista, partiram para o próximo passo com fins de justificar a opressão e a violência às quais submetiam os negros africanos: atestar “cientificamente” a inferioridade desta mesma “raça”.

Assim sendo, à época surgiram teorias “científicas” que endossavam a idéia de que a “raça” negra era inferior, dos pontos de vista mental, cognitivo e sócio-cultural. As teorias de inferioridade racial foram, inclusive, reiteradas pela Igreja Católica, que dizia que a única salvação aos negros africanos era a conversão ao catolicismo. “[...] A instrução dos escravos na doutrina cristã e nos bons costumes completaria a obra de sujeição interior do negro ao branco2” (p. 47).

A construção do negro como “raça” inferior foi tão bem engendrada que a idéia de inferioridade do africano era lugar-comum no pensamento dos séculos XVI a XIX. “É impressionante como o discurso científico da época, e isto perdura até as três primeiras décadas do século XX, amparava-se ainda na idéia de inferioridade da ‘raça negra’3” (p. 168).

Além de vistos como inferiores, os negros eram também tomados como violentos, arruaceiros, preguiçosos, viciados, imorais, vagabundos, incapazes para o trabalho livre, tendentes ao alcoolismo e à marginalidade, criminosos em potencial, inimigos da civilização e do progresso e toda uma extensa gama de outras qualidades negativas. Ademais, taxados como os grandes responsáveis pelo atraso histórico do desenvolvimento brasileiro. A associação do negro com a idéia da negação da ordem e do progresso aparece em inúmeros artigos de jornais brasileiros da época.

Os negros eram vistos como “[...] membros de uma raça inferior tendente fatalmente à ociosidade, à desagregação social e ao crime, como também [...] maus trabalhadores, [...] incapazes para o trabalho livre2” (p. 219).  [...] Este sistema classificatório, amparado em diferenças físicas que estariam supostamente associadas a diferenças morais e psicológicas, praticamente sugeria que, em função de seu temperamento, os negros africanos eram talhados para a escravidão3” (p. 77).

Como se viu acima, para tornar a situação do negro no Brasil ainda mais dramática, os africanos eram percebidos socialmente como criminosos em potencial, propensos a toda sorte de barbaridades e atos violentos. Os estereótipos do escravo rude e mau tinham suas raízes não só na atmosfera escravista imperante em todo o Brasil, como também na absorção da literatura iluminista pelos abolicionistas brasileiros. A elite colonial considerava os escravos elementos perturbadores e maléficos da sociedade e de sua engrenagem econômica.

Dentro desse contexto de visualização do negro como inimigo perigoso e violento, começou-se a formar na sociedade brasileira, um “imaginário do medo2”.

Não era possível, pois, entregar a liberdade imediatamente ao negro, porque, além da sua ignorância, havia a temer os seus instintos. Livre, ignorante e podendo dar vazão aos seus impulsos, o negro cairia na vagabundagem e no crime, com a conseqüente desorganização do trabalho nas fazendas. Era preciso, portanto, assegurar o seu enquadramento na sociedade, coagindo-o suavemente ao trabalho mediante a criação de uma categoria ilusória da liberdade, de meio caminho entre a escravidão e o estado livre2 (p.195 e 196).

População negra no Brasil ainda sofre com  muita discriminação social, reflexo de muitos séculos de escravidão e preconceito (Ilustração: Latuff)

Ainda como reflexo desse imaginário do medo que começava a tomar corpo na sociedade brasileira à época, surgem, nesse período, as primeiras teorias de “higienização social” ou branqueamento da população. Na concepção de significativa parte dos setores políticos e aristocratas do país, para que o Brasil evoluísse era preciso injetar brancos no espaço sócio-geográfico brasileiro, uma vez que a população brasileira era majoritariamente composto por negros e índios – e isso não era nada bom, na visão desses setores. Tinha-se a percepção de que junto com o imigrante europeu – a quem foi dado todo o estímulo possível com leis imigrantistas - viriam a civilização e o progresso, sendo estes personagens os únicos capazes de desenvolver, de fato, o Brasil. Percebe-se, portanto, claramente o racismo impregnado na sociedade brasileira.

Dando vazão à tese de branqueamento da população, na segunda metade do século XIX, ainda sob forte influência das teorias de inferioridade negra e superioridade européia, põe-se em prática um projeto de construção de um novo Brasil, baseado no incentivo à imigração de europeus, que viriam para o país com a função de estimular o desenvolvimento e também “embranquecer” a população. Pensava-se que, com o passar dos anos, escanteada, deixada à margem dos processos sociais, abandonada à própria sorte, a população negra tenderia a desaparecer gradualmente.

Enquanto os imigrantes europeus podiam contar com alguns privilégios e proteção proporcionados pelo Estado brasileiro, e também pelos consulados de seus países de origem, os brasileiros negros não tinham o apoio de ninguém, a não ser deles mesmos. Por isso, sofriam perseguições da polícia e eram discriminados quando tentavam conseguir emprego. Mesmo as instituições religiosas recusavam-se a educar crianças negras1 (p. 205).

“A igreja foi aqui apropriada como parte do sistema, como algo que lhe dá suporte através da “superstição” e da “ignorância” que terminam por se verem sacralizadas por uma Igreja omissa e ideologicamente conivente3” (p. 173).

A política de branqueamento tornava ainda mais difícil a integração social do negro, posto que a discriminação aumentava concomitante com o incremento da concorrência representada pelo europeu. “[...] Num segundo momento, à medida que a possibilidade de uma grande imigração européia tomava corpo, [...] o negro começa a ser descaracterizado não só enquanto força de trabalho, mas sobretudo como futuro cidadão2” (p. 218). 

Dentro do processo de dominação ideológico-social sobre os negros, a elite brasileira do século XIX já tinha conseguido duas grandes conquistas: a primeira foi incutir na mente dos africanos que eles não eram bantos, nem zulus tampouco sudaneses, mas apenas negros, apagando suas identidades étnicas e tribais e classificando-os dentro de uma mesma categoria: a “raça” negra. O segundo feito dos dominadores foi o de difundir e atestar “cientificamente” a teoria de que a “raça” negra era inferior às demais, com a “raça” branca situando-se no topo dessa classificação racial. 

Feito isto, o próximo passo era transmitir a idéia de que, no Brasil, havia um respeito e uma estima mútua entre as “raças”, de que o branco dominador era amável e tratava bem o negro escravo, haja vista que o “[...] o Brasil abrigava proprietários de índole benigna e hábitos de humanidade2” (p. 79). Por outro lado, o negro assumia sua condição subalterna com resignação e, mais que isso, amor e gratidão pelo seu senhor, uma vez que estas eram características raciais dos negros, “[...] que os faziam primar pela resignação, passividade e submissão2” (p. 81). Desse modo, começava a ser posto em prática o mito do paraíso racial brasileiro, que perdura até hoje no país e é sempre enfatizado pelos contrários às cotas raciais. Assunto polêmico para os próximos dias.

1. AZEVEDO, Célia Marinho de. Abolicionismo: Estados Unidos e Brasil, uma história comparada (século XIX). São Paulo, Annablume, 2003.

2. _____. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites século XIX. São Paulo, Annablume, 2004.

3. BARROS, José D´Assunção. A construção social da cor: diferença e desigualdade na formação da sociedade brasileira. Petrópolis, Vozes, 2009.  


2 comentários:

  1. SE AS PESSOAS SÃO IGUAIS, PORQUE A ÁFRICA É UM LIXO DE M...?!

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  2. Construção o kct, o nego estava na idade da pedra na áfrica, escravizava outros negos e vendia pro branco.

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